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segunda-feira, setembro 29, 2003

...e esta vileza ocorreu logo na semana em que o cidadão livre achou que o baguete tinha bom gosto (o que prova que quem tem bom gosto é o cidadão livre) e em que o mata-mouros lhe deu o prémio de melhor revelação da semana, ex-aequo com este. Daqui para o Pulitzer é um saltinho.

Invasion of The Blog Snatchers 

Hoje vivi o pesadelo de todos os bloggers. Voltando da pausa informática que concedo a cada fim de semana aos meus olhos velhos e cansados, teclei baguete.blogspot.com na barra do explorer. Em vez da normal exuberância cor-de-laranja deparo-me com a minha identidade roubada por um blog snatcher. O meu blog estava azul e era de um gajo chamado Ryan. Após uma ameaça de síncope cardíaca, ponderei a hipótese de eu não passar na realidade de uma personagem de Philip K. Dick e todas as minhas memórias serem ficção. Devia ter desconfiado antes, nenhuma pessoa normal e anónima vê tantas celebridades a menos que ande atrás delas*.
Um republish restituiu-me o blog mas não me dissipou as dúvidas existenciais. O mal estava feito. Acabei por descobrir o Ryan na sua pele legítima, espero que ele fique por lá, o sacana.

*Ontem foi a Bárbara Guimarães acompanhada de uma senhora mais velha, presumivelmente sua mãe, numa loja de bugigangas fashion na Rue des Francs-Bourgeois; quase não a reconheci porque está um pote, mas a minha irmã estava lá com toda a sua cultura social para me explicar que a mulher está prenha.

quinta-feira, setembro 25, 2003

Castália e o século 

A música séria alienou progressivamente o público ao longo do século passado. Em alguma medida isso é uma questão de gestão de expectativas. Muita gente vai aos concertos à espera de uma cantiga para trautear no metro, o que não é forçosamente ilegítimo. Por uma questão de honestidade e auxílio à fruição, proponho que no início dos concertos de música contemporânea seja adoptado o seguinte anúncio:

"Daremos início ao espectáculo dentro de momentos. Rogamos às senhoras e cavalheiros que desliguem os telemóveis e não esperem melodias."

Podia-se complementar esta medida dando possibilidade às pessoas de abandonar a sala nesse instante, trocando o bilhete por um CD, à escolha entre os três tenores, a Diana Krall e o Justin Timberlake.

quarta-feira, setembro 24, 2003

Liberdade de trabalho, já! 

Há seis meses, o Sr. Sarkozy, Ministro do Interior, viu aprovada uma lei criminalizando a angariação de clientes na via pública (racolage) pelos profissionais liberais no ramo dos serviços sexuais (putas, travecos, ovelhas, anões reguilas, etc.) A partir de agora, só casas de passe. A minha posição pessoal face a esta atitude regulatória é de profundo e natural desacordo. Estamos perante um escandaloso ataque à iniciativa privada. Os únicos beneficiados são os proxenetas com propriedade imobiliária, que na sociedade francesa como nas outras têm influência de peso sobre os órgãos legislativos, clientes habituais. Uma jovem rameira em início de carreira, cheia de iniciativa e vontade de aprender, vai ver os seus sonhos desfeitos no embate com esta nova barreira de entrada no mercado. Mata-se assim o pequeno negócio independente, prejudica-se o produtor e consumidor, beneficia-se o parasita intermediário.

Este fim de semana, a France 3 achou por bem fazer uma pequena análise dos primeiros resultados práticos desta medida. Mostraram velhotas que se afirmavam felizes porque agora o seu bairro estava limpo e sossegado, mas no seu olhar melancólico via-se que tinham perdido o sentido da sua vida, o mesmo olhar que se imagina em Holmes durante os seus três anos de renúncia e errância pelo mundo, depois da morte de Moriarty.

sexta-feira, setembro 19, 2003

Escher com Legos 

subindo e descendo do M.C. Hamm... Escher
Desafiando todas as nossa crenças, alguém construiu as construções impossíveis de Escher. Com Legos.
Penso que posso com segurança inserir este senhor na categoria dos geeks, tal como é definida aqui.












segunda-feira, setembro 15, 2003

Conversas Surreais 

O Messenger como instrumento terapêutico no blog da Diana the Shrink. Atentai na pertinência da ilustração. Notável.

Celebrity Sightings 

Estava a sair de casa de patins quando vi à porta do Procope um negrão com ar familiar. Na altura pareceu-me que o conhecia da Favela e acenei. O cara mandou um "e aí meu irmão!" e eu ia seguir a minha vida, mas um outro tipo do grupo estendeu uma máquina e pediu para tirar uma foto. Era o Arnaldo Antunes. Um porreiro. O negrão era o mano Brown, que ficou com vontade de alugar uns patins. As jeitosas que eles estavam a engatar ficaram finalmente convencidos de que a conversa do bandido "somos mega-stars internacionais a repousar em Paris onde ninguém nos conhece" era mesmo a sério (o que não deixou de me dar umas ideias: só preciso de convencer algum amigo a fazer de fã anónimo). Não houve concerto de Tribalistas, eles estavam mesmo de férias. A Marisa ficou no Brasil, mas eu mandei um beijo pra ela.

quinta-feira, setembro 11, 2003

Reverse Celebrity Sighting 

Esta já a conhecíamos, mas não sabíamos que era vedeta. Olha a Clara em Cannes!

quarta-feira, setembro 10, 2003

Das maquinações que inspiram no françouillard a convicção sincera de superioridade 

(uma pequena recolha em 35 minutos de televisão, parte da emissão dos campeonatos do mundo de atletismo, no dia 26 de Agosto)

Não sei se é conspiração do Estado, da Academia Francesa ou do Grande Capital, mas a verdade é que o françouillard não pode deixar de pensar que é o maior quando leva todos os dias com barbaridades como as que se seguem.

O entrevistador da TF1 no estádio de St-Denis tem um inglês correcto, o que a princípio muito me impressionou, lembrando-me da miséria que grassa no jornalismo desportivo da televisão portuguesa. O pior é quando chega a parte de traduzir para francês as respostas dos entrevistados:

1. Com uma atleta americana dos 100 m barreiras
- O que pensa da nova regra das falsas partidas [que fora a causa de expulsão de uma francesa numa eliminatória anterior]
- [a atleta, em inglês] Bom, às vezes talvez seja um pouco cruel porque a adrenalina é muita e pode levar um atleta mais nervoso a antecipar-se involuntariamente ao disparo.
- [tradução] Exactamente como discutia à pouco com o pessoal do estúdio, a atleta considera este novo sistema uma profunda injustiça que leva atletas mal intencionados a forçar a primeira falsa partida de forma a provocar a eliminação, pela segunda falsa partida, de adversários emocionalmente menos estáveis, como aconteceu com a nossa querida compatriota!

2. Com Maurice Green, medalha de ouro nos 400 metros
- [logo a primeira pergunta, antes de dizer boa noite] O que pensa do desempenho dos seus adversários franceses [segundo e quarto lugar]
- Who's that?
- Uhh, zi ozerr rreicérrs [the other racers]
- Oh, right, foram competição dura, são pessoas que dão sempre o máximo de si mesmos e cumpriram o seu dever
- [tradução] Maurice Green pensa que os franceses são atletas fabulosos e sente-se muito orgulhoso de ter a oportunidade de partilhar as pistas com eles


Outros momentos de antologia:

3. Na final dos 1500 metros um francês ficou em segundo, razão suficiente para se esquecerem de sequer mencionar o nome do atleta que ficou em terceiro. Só focaram (por breves instantes) o El Guerrouj, medalha de ouro, porque também fala francês, o que lhe dá direito a algum tempo de antena.

4. Numa das eliminatórias dos 100 metros barreiras, não tiraram por um instante a câmara de cima da francesa. Na altura das apresentações das atletas, em vez de dizerem os nomes das adversárias, como é hábito, focaram-se na demoiselle, sobrepondo as imagens de uma entrevista pré-gravada, em que por sinal só dizia banalidades. Como a francesa acabou em quarto fiquei sem saber quem ficou em segundo e terceiro lugar. A que ficou em primeiro só a conheci porque o nosso amigo a entrevistou. Entrevista essa em que, naturalmente, só se falou da francesa.

5. Os juízes só falavam francês apesar de os atletas não entenderem nada do que se está a passar; na 1a série dos 400 metros do Decatlo o juiz teve de gritar 4 (quatro) vezes "à vos marques" antes que os gajos se apercebessem que estavam a falar com eles.


Começando a enjoar de tanto nacionalismo inflado, resolvi fazer um zapping; caí nas notícias do segundo canal:

6. Porque é que os americanos são todos obesos...
[imagem de arquivo de americano com 250 quilos e boné de baseball a chafurdar num mega-mac super extra com o suplemento de queijo a escorrer-lhe pelas beiças]
...enquanto nós somos tão elegantes?...
[imagem de arquivo de umas babes de sonho a fazer topless em saint-tropez enquanto humedecem a pele com um spray de Evian]
...porque as doses são mais pequenas, sendo que o hamburguer francês tem em média 280 gramas enquanto que o americano tem 340.
[sim, era esta a notícia].

Desliguei a televisão, fui vomitar e peguei num livro dum gajo alemão em versão portuguesa para purificar o organismo. Não me consegui concentrar porque os restos abafados de uma cantiga tenebrosa me atormentavam o espírito, vindos não sei bem de onde: "Allons enfants de la Patrie, Le jour de gloire est arrivé! naaana na na na naana na naaa..."

segunda-feira, setembro 08, 2003

Celebrity Sightings 

No princípio da noite de ontem, Sean Penn e sua senhora compravam crepes na barraca ao lado da Igreja de St-Germain-des-Prés (mérito da descoberta para a Anne-So, o Sean eu não tinha dado por ele e a Robin eu nem sabia que existia). Não lhes disse nada mas foram aldrabados: aqueles são os crepes mais caros do bairro (2 euros e meio o crepe sucré) e nem sequer são feitos na hora. 100 metros para leste e tinham o crepe a 1,90 de St-André-des-Arts. Mais 200 metros e tinham o crepe a 1,50 de St-Michel. Com este descontrolo no orçamento é natural que estivessem todos andrajosos, que estavam. Uma vergonha, sair à rua naquele estado logo no dia da rentré do catequismo, em que metade da boa sociedade de St-Germain, presente e futura, se aglomerava à porta da Igreja, enquanto a outra metade fazia bicha para ver a primeira dose de 3 horas de "La meglio gioventù" no cinema em frente. Hoje vamos lá ver a segunda.

quinta-feira, setembro 04, 2003

So George, how do you feel about your mom and dad?  

Momento de psicanálise: quem pôs os macaquinhos no sótão do gajo que vai a conduzir o autocarro? Oh chefe, abra atrás que eu quero sair nesta!!!

quarta-feira, setembro 03, 2003

A cirrose é pática? 

Pergunta a Senhora Dona Sara Jéssica a propósito do post "Curtas na Relva":

Adoro foiegras! Era de canard?

No espírito pedagógico que caracteriza este blog, esclareço. Não era de pato, era de ganso, que se escreve "oie" e se diz "uá". Sendo assim, neste caso a cirrose é gânsica. O de ganso é o mais caro porque os gansos são mais difíceis de torturar: têm o hábito inconveniente de morrer a meio do processo de engorda compulsiva. Não quer isso dizer que seja melhor que o de pato, é uma questão de gosto. O de pato tem um gosto mais intenso, o de ganso mais suave. De pato ou de ganso, diz-se que fica bem regado com um Sauternes, mas o Alsácia deu bem conta do recado.
Claro que não percebo nada disto e só estou a papaguear a conversa que me venderam. Até Maio deste ano estava perfeitamente convencido de que foie gras era tartex para larilas. O momento de iluminação deu-se quando entrei numa lojeca na ilha de São Luís que praticamente só vendia foie gras. Virei-me para a senhora que estava a atender e disse: "Bom dia, minha senhora. Não gosto de foie gras". Quando esperava um ríspido "não gosta não come, desampara a loja", obtive antes um luminoso "ah, então é porque não provou do bom..." seguido de uma longa palestra com direito a degustação. A senhora é que cria pessoalmente os bichos na sua quinta do Sudoeste e vem a Paris nos fins de semana para tomar conta da loja. Agora tenho mais uma coisa onde estourar dinheiro, como se já não me bastassem o álcool, a droga, os cavalos, a roleta e as putas.

segunda-feira, setembro 01, 2003

Celebrity Sightings 

Esbarrei com o El Guerrouj quando ele acabava de atravessar o Boulevard Jourdain para entrar no RER B na direcção de Saint-Denis, 3 horas antes de falhar por 4 centésimos a medalha de ouro nos 5000 metros. Tenho provas fotográficas. Não sabia se havia algum português em competição mas, pelo sim pelo não, resolvi desestabilizá-lo mentalmente. Comecei por dizer que era muito feio e tinha a braguilha aberta. Depois aleguei saber de fonte segura que a Mutola estaria à sua espera no quarto depois do jantar, para fazerem uns "alongamentos". Como é natural, o homem sucumbiu à pressão.

Curtas na Relva II 

Como o grupo de fãs das docas finlandesas precisava de uma caneta para manifestar a sua preferência em plebiscito, ainda consegui negociar um copito de branco e uma talhada de foie-gras. Mas só isso.

Curtas na Relva 

No enquadramento do ultra-romantismo mais extravagante que se pode encontrar nesta cidade - o género de coisa que o Luís II da Baviera teria mandado fazer se tivesse sido Maire de Paris - estive à beira de perder o controle do meu sistema urinário perante a vida miserável de Harvey Krumpet. Outros pontos altos deste festival de curtas metragens ao ar livre foram: um tipo a rir-se no metro; uma dezena de idosos noruegueses afundando-se na lama enquanto cantam em coro a Internacional; um catraio inglês que troca o pai por um peixe dourado; uma revolta dos balões contra as respectivas criancinhas, que sofrem tormentos inimagináveis; uma doca finlandesa que enche, depois esvazia, depois enche, depois esvazia; a guerra psicológica entre um pato e a dama holandesa que o atropelou; um grupo de músicos suecos que invade apartamentos com motivações artísticas.
O Harvey não estava a concurso. Votei nos velhos noruegueses. A francesa que ia comigo votou no pato atropelado. Uns tipos que consumiam avidamente branco da Alsácia, foie-gras e chamom votaram em bloco na doca finlandesa. Ganharam os músicos suecos.
Antes disso tínhamos assistido ao concerto de uma bateria de samba composta quase exclusivamente por franceses branquelas, possivelmente o momento mais surrealista da noite.

Cum Mortuis In Lingua Morta 

Passeio pelas Catacumbas de Paris. Não há melhor maneira de passar um Domingo cinzento do que confraternizando com as ossadas de cerca de 6 milhões de pessoas. É muito morto. Tantos quantos os adeptos do Benfica!

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