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sábado, novembro 29, 2003

Mal ou bem, o que interessa é que falem de nós 

Neste preciso momento, grande reportagem sobre Portugal no jornal da TF1: "Cinco mulheres morrem por mês vítimas de violência doméstica em Portugal", convenientemente ilustrada com imagens de senhoras gordinhas de bigode passeando-se nas ruas de Lisboa, para não decepcionar o estereótipo tão caro ao baguete chauvin. "A Belmira viu-se coberta de sangue, já não sabendo se era o dela ou o das crianças."

quarta-feira, novembro 26, 2003

Um camarada antigo do autor anónimo deste blog — que eu não vou nomear para não trair a minha identidade e manter a aura de mistério que garante um grande número de parceiras sexuais, a crer nos melhores guias de engate que se podem encontrar em aeroportos — inspirou-se neste post da Baguete para tecer um brilhante dissertação sobre a relação entre o povo francês e a higiene pessoal, aqui.

Exame de Literatura Françuguesa 

Universidade de Paris XVIII - Champigny sur Marne

Este exame tem a durada de oito horas e meia.
Leia as questões atentivamente antes de responder.



Questão 1. (1,5 valores) Com base na seguinte passagem, decida o que é que não vale um pequeno flato envergonhado:

a) a tradução
b) a Língua Francesa
c) o autor


"[...] ainda alvejava, entre as verduras do Luxemburgo, o vestido de cassa de Mimi."
Eça de Queirós, "Cartas de Paris"

"[...] la robe de mousseline de Mimi brillait encore comme une tache blanche entre les feuillages du Luxembourg."
Eçá de Quêrrôz, "Lettres de Paris"

Trad. de Pierre Léglise-Costa, edição bilingue Banco Pinto & Sotto Mayor, 1998



Questão 2. (1 valores) Comente a criatividade vocabular do seguinto extracto de um texto inaugural da Literatura Françuguesa, sacado da net à última hora pelo assistente escolhido ao azar para fazer o exame:

"Havia vinte anos que o Sr. Santos deixara o Minho, seu país natal, para escolher a França como terra de acolho. Tinha subido muitas dificuldades na vida, mas, agora tudo ia bem.
Como seu apartamento tinha chegado ao fim do baile preparava o demenajamento para um belo batimento em face, que ainda estava coberto por uma chafurdagem. Tinha três peças, dupla vitragem, "placards" nos muros, um grande salão com balcão, cozinha equipada com cozinheira eléctrica e um pequeno jardim para meter couves. Ia pagar dez mil balas mais cargas, mas, numa vila como Paris, não era muito."

Dominique dos Santos, "Jornal de um Imigrês"



Questão 3. (17,5 valores) Qual o preço de um pastel de nata no Chez Alberto da Rue Dauphine? Desenvolva.

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Boa Coragem!

"Flato" quer dizer "peido", meu animal!

Quem responder c) na primeira chumba.



quinta-feira, novembro 20, 2003

Das maquinações que inspiram no françouillard a convicção sincera de superioridade II 

Um outro blogueiro emigra reparou que "ontem no telejornal as únicas imagens que mostraram do jogo França-Portugal em sub-21 foram as do estado em que ficaram os balneários". Isso foi na France 3, na TF1 mostraram muito mais:

- mostraram o golo do empate francês (e mais nenhum);
- mostraram a expulsão "escandalosa e exagerada" de um francês;
- mostraram o treinador francês "reclamando em desespero alguma justiça da parte do árbitro" (segundo o locutor... pelo pouco que eu domino da leitura labial na língua de Montaigne, pareceu-me reconhecer distintamente articuladas as palavras "putain de bordel, va't'faire enculer, connard fils de pute, niq'ta'mère!");
- mostraram o derradeiro penálti falhado pelos franceses.

Nessa altura lembraram-se que outra equipa participava naquele jogo e resolveram dar um espaço ao desempenho da selecção portuguesa, o que se traduziu numa artística montagem de dois minutos com todas as agressões, ameaças de agressão e caras feias com que os trolhas analfabetos lusitanos perseguiram de forma vil os nobres e civilizados infantes gauleses, enfants de la patrie. Isto em slow-motion com o adágio do Barber por trás, para maximizar efeito dramático, como ensinam no curso nocturno de realização TV.


quarta-feira, novembro 19, 2003

Sabemos que estamos no primeiro mundo quando... 

Segundo o estudo perfeitamente desinteressado e independente de um fabricante de comida para animais domésticos, metade dos cães e gatos franceses têm excesso de peso. Como é que se resolve o problema? Corta-se na ração? Deixa-se os bichos dar uma volta no bairro depois do jantar para desmoer e fazer um bocado de exercício atrás das cadelas com o cio? Não, compram-se croquetes light para os bichanos que custam o dobro dos bifes de peru com que me dou ao luxo de complementar, duas vezes por semana, as gamelas de arroz branco que constituem a base da minha alimentação. Isto mesmo à minha frente na bicha do supermercado, assim às claras, sem remorsos.

quinta-feira, novembro 13, 2003

Castelo Branco 

Consta que isto fica em Castelo Branco, mas não posso atestá-lo pessoalmente
Não conheço, nunca lá estive. Aliás, é de família. Em tempos idos, o meu avô materno prometeu à minha avó (materna, nada de confusões) que havia de levá-la a Castelo Branco. Sempre um romântico, este meu avô. Não foi por falta de empenho, mas a cada tentativa de chegar a Castelo Branco — e foram muitas, ao longos dos anos — uma mão invisível frustrava à última hora os planos cuidadosamente arquitectados. Ainda hoje, várias décadas volvidas, a questão é invocada cada vez que a tensão sobe no casal. Como já li muito Ésquilo, Sófocles e Eurípides (em versão BD, com muitos bonecos, porque as letras cansam-me), tenho consciência de que me é vedado o acesso a essa bela cidade e resigno-me perante a força do destino.

É certo que não tenho qualquer pudor em discutir assuntos que ignoro profundamente, o que é bem patente neste blogue; ainda assim, não vou escrever sobre Castelo Branco. Não, o que eu vou é escrever sobre o Castelo Branco.

um dos cachorros de José Castelo Branco brinca com dono: traquina, puxa os lençóis para o fazer sair da cama; Pedigree Pal só no Sábado porque a fome reaviva os bons instintos do bicharoco As notícias de Portugal chegam-me atrasadas e peneiradas, não porque me falte o acesso à imprensa portuguesa, mas porque normalmente não me apetece lê-la. Por exemplo, demorei quase uma semana a descobrir que o Sr. José Castelo Branco estava na choldra por tráfico de jóias. Não vou debater se o Sr. José Castelo Branco é bicha, arrivista ou alucinado, se traficou ou não traficou, se vai mesmo para a cama com a velhota ou se se limita a apoiar-lhe as (precariamente costuradas) carnes à entrada das festas. Venho tão só exprimir a alacridade com que recebi esta notícia. Porque o verdadeiro crime do senhor é outro, muito mais hediondo.
Há cerca de 20 anos, o Sr. Castelo Branco morava nos arredores de Lisboa acompanhado por um par de dobermanns (ou será "dobermänner") grandes e maus que se enquadrariam com mais naturalidade nas margens do Estige. Tendo já na altura uma postura que não passava despercebida, o Sr. Castelo Branco era alvo natural da chacota dos discentes do Externato ali ao lado: criancinhas da Primária, amorosas, na idade da inocência, ainda com poucas inibições sociais, que torturam os animais por puro prazer, perseguem constantemente os mais fracos, gozam com o colega deficiente, recorrem gratuitamente à agressão física, em suma, os seres mais cruéis à face da Terra. Pois o mau feitio do senhor estava já perfeitamente formado, apesar da juventude e escassas posses, e a tenra idade dos petizes não constituía obstáculo moral. O Sr. Castelo Branco respondia aos comentários e partidinhas inocentes atiçando os dobermanns às criancinhas com um sorriso deformado pela ira, olhos raiados de sangue e um ou outro fio de baba a escorrer pelo queixo.

Muitos dos pequenotes se tornaram adultos torturados pela existência, traumatizados para sempre.
Alguns escrevem em blogues (The horror! The horror!)
Cada dia que esse meliante passe na prisão é bem merecido.


segunda-feira, novembro 10, 2003

Um post curto 

Pim.

Advertência 

O post que se segue é dedicado à Ivete e à Maria Rita. Tem carácter excepcional e não abre precedentes. Não se prevê qualquer torrente de verborreia anárquica nem a súbita proliferação de manifestações artísticas subversivas, até porque já não há nada para subverter. As regras que pautam de uma disciplina férrea a feitura deste blog continuarão a ser escrupulosamente transgredidas.

A Redacção

sexta-feira, novembro 07, 2003

Paris Capital da Cultura 

Terça-feira é feriado, um dos dias do armistício, porque há dois*. O Francês é o único ser na Europa tão dado a pontes quanto o bravo Tuga, portanto o próximo fim de semana é, oficialmente, fim de semana prolongado.
O meu dedo partido não permite ainda aventuras nas primeiras neves do ano. A angústia do vazio começava a assombrar-me a existência. O grande Plantier - sempre nostálgico de Paris, Barcelona, Lisboa, Nérac e qualquer outro sítio que o faça esquecer por momentos o seu degredo na Alemanha - salvou-me a vida ao chamar a atenção para o evento cultural que se anuncia nas Galerias Lafayette. Strip-tease grátis. Nem li o resto, já sabem onde me encontrar.

* Errata: Afinal só há um dia do armistício (11 de Novembro de 1918) o outro é o dia da capitulação alemã (8 de Maio de 1945, mais coisa menos coisa). Está tudo explicado aqui. Quem me corrigiu foi o Vasco, dono do Ginjal, o blog que deviam estar a ler em vez de perder tempo com estas patacoadas. Obrigado Vasco.

terça-feira, novembro 04, 2003

Delvoye e a arte do laboriosamente fútil (GNS 3) 

Atlas, Wim Delvoye, 2003
Ao herdeiro milionário Percival Bartlebooth não interessava o dinheiro, o poder, a arte, as mulheres, nem a ciência nem o jogo. Definiu assim o seu projecto de vida: após dez anos (1925-1935) a aprender a técnica da aquarela, Bartlebooth passaria vinte anos (1935-1955) viajando pelo mundo e pintando 500 paisagens de portos de mar num formato uniforme, um a cada quinze dias. Cada uma das aquarelas seria colada a um fino suporte de madeira e recortada num puzzle de 750 peças. Nos vinte anos seguintes (1955-1975), Bartlebooth dedicar-se-ia a reconstituir os puzzles, um a cada quinze dias. Cada aquarela seria então "retexturizada", libertada do suporte de madeira, enviada para o porto onde havia sido pintada 20 anos antes e aí mergulhada numa solução dissolvente de onde sairia apenas a folha original, branca e imaculada.

Wim Delvoye afirma identificar-se com esta personagem da "Vida, Modo de Usar" de Georges Perec. O objectivo de ambos é dispender quantidades desproporcionadas de suor, amor, energia e entusiasmo num trabalho completamente fútil. O que Delvoye não sabe é que nisso andamos nós todos, mas temos de lhe perdoar porque o homem é artista e, como tal, vive desfasado da realidade, em grande libertinagem sexual e delírios ideológicos com a sua trupe de amigos charrados.
Nos últimos anos, Delvoye tem andado a construir cuidadosamente mapas detalhados de terras que não existem. Em "Atlas", a obra exposta na GNS, os contornos de costa, tão realistas quando vistos de perto, revelam com a distância as formas de martelos, clips, cuequinhas fio-dental, telemóveis, selins de bicicleta e ordinarices inomináveis (tal como a que se vai continuar a ver nas moedas de euro enquanto a Noruega não quiser adoptar a moeda única).
Enfim, é a obra de um homem que passou quatro anos a trabalhar intensamente com cientistas e engenheiros para produzir uma máquina que, reproduzindo os processos químicos e mecânicos do aparelho digestivo, come por um lado e defeca pelo outro. A chamada Cloaca. O produto final - de consistência e odor muito convincentes, a acreditar na palavra dos críticos de arte - estava até há pouco tempo disponível comercialmente.

segunda-feira, novembro 03, 2003

A privação do Shopping  

Nos últimos dez meses, não passei em Centros Comerciais mais que um total acumulado de 70 minutos: 50 minutos a almoçar [flashback: o autor discute com a sua fletemeite se hão-de arrendar mobilado ou não-mobilado; os borborigmos são silenciados por um menu-sandocha que se apresenta como a única opção realista para dois jovens imigrantes ainda em período de adaptação psicológica aos escandalosos preços da metrópole] e 20 minutos a comprar o meu próprio ferro de passar[flashback: o autor solta o seu grito do Ipiranga doméstico, hora de libertação do jugo tirânico do ferro de passar comunitário, destruidor impiedoso de t-shirts e camisas; para grande desilusão da vendedora, o autor não lhe fica com o número de telefone e ainda por cima leva o modelo mais barato; o autor não se arrepende de levar o modelo mais barato].
Esta abstinência não foi compensada pela frequência dos grandes armazéns e cinemas multiplex parisienses, ou a grande maravilha urbanística que são as galerias subterrâneas dos Halles, que poderia ter minimizado o choque. As consequências não se fizeram esperar: decréscimo acentuado de tolerância a multidões de olhos bem abertos, raiados de sangue, inebriadas pelo delírio consumista; fobia a grandes espaços fechados; perda de apetite perante a visão de esplanadas instaladas num corredor; hipersensibilidade a anúncios de meninos perdidos e carros mal estacionados, podendo levar a reacções imprevisíveis se precedidos das três notas arpejadas de um acorde perfeito maior, independentemente da ordem; alergia psicossomática a pipocas (isto é, os sintomas da alergia manisfestam-se dispensando a ingestão do produto, basta a invocação do conceito "pipoca" na mente do indivíduo, principalmente se associado a meios de entretenimento audio-visual); desorientação em estacionamentos subterrâneos; um perigoso sentimento generalizado de bem-estar e descontracção ao fim de semana.
A reintegração na sociedade lisboeta será dolorosa, passo a passo, começando com aqueles centros pequeninos dos finais de setenta, o Roma ou o Arco-Iris... talvez ao fim de 6 meses esteja pronto para voltar a enfrentar as 427 lojas do Colombo (dia temido).

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