<$BlogRSDUrl$>

quarta-feira, dezembro 17, 2003

O emigra reentra para as vacanças de Nouél 

Na vida de qualquer bom emigra, retorna ciclicamente a altura do ano em que o rito se impõe à racionalidade e urge o regresso à pátria para comer rabanadas e inspeccionar as obras no chalet de inspiração suíça "Sonho da minha Mãe". Sucedem-se os almoços, lanches, jantaradas, saídas nocturnas, todas as actividades de uma cultura social construída à volta do prato e do copo. A vida cibernética afoga-se e deixa poucas saudades.

quarta-feira, dezembro 10, 2003

A Vida no Estaleiro  

Fui ao teatro com uma francesa. A rapariga escolheu uma comédia ligeira de humor fácil para não exigir muito do meu grosseiro cérebro de português. É um erro comum: os nativos têm dificuldade em interiorizar que a linguagem de Jean Genet ou Molière é mais acessível a um estrangeiro que aprendeu pelos livros do que qualquer trocadilho vulgar. Fomos então ver a campeã das bilheteiras "La Vie de Chantier" — "A Vida de Canteiro", em português de Champigny — com Dany Boon, vedeta da comédia local que me pareceu uma versão baguete com bons modos do Lee Evans, tiques, orelhas e tudo.
Estava à espera de não perceber metade das piadas e não percebi mesmo, mas a peça acabou por revelar um conteúdo de profundo interesse sociológico. Como não podia deixar de ser, tendo em conta o tema da peça (respeitável família francesa cai numa espiral de caos e destruição quando tenta fazer obras em casa), há um português metido ao barulho: Pedro Pinto, pedreiro-canalizador de 50 anos, a caricatura do português que quase todo o parisiense tem na cabeça mas não tem a coragem de pôr na língua. Quero dizer, muitas vezes até tem.
Foi um deleite. Ora o Pedro Pinto era néscio, era preguiçoso, era ignorante, era ineficiente, tinha pobres maneiras, era peludo e cheirava mal. As suas únicas qualidades positivas era um carácter dócil (como os cães) e a honestidade, mas mesmo esta derivava de um intelecto débil que o incapacitava de manipular as situações em proveito próprio. A senhora da casa tem um colapso quando a filha, vítima de uma electrocução que lhe afecta seriamente o sistema nervoso central, se apaixona pelo "portos" (lê-se "pòrrtôz").
De alguma forma refrescante é o facto de a caricatura não ser baseada numa ignorância completa, como é costume entre os anglófonos; aqui o Português não falava espanhol nem dava beijinhos na boca de outros homens.
O actor que encarnava a personagem de Pedro Pinto dá pelo nome pouco luso de Zinedine Soualem, mas por aí eu não pego, o senhor fez muito bem o sotaque e tinha mais cara de tuga que eu.

quinta-feira, dezembro 04, 2003

O Mundo visto de França 

Um artista francês decidiu representar de memória o mapa político mundial. A versão de um americano teria decerto mais piada (este até se lembrou de Portugal...), mas não deixa de ser curioso. Um dia destes tento fazer a minha versão pessoal. Vou-me esquecer de pôr a Espanha mas vai ser de propósito.

Le Monde Erotique, Pierre Joseph, 1998

segunda-feira, dezembro 01, 2003

Fronteiras geográficas não intimidam o mito urbano nacional  

Nunca esperei ser perseguido pelo obscurantismo português quase dois mil quilómetros para cá de Vilar Formoso.
Alguém explique por favor à Gwendoline da Silva Batateiro que não existem em Portugal sete pessoas com esse mesmo nome que os seus progenitores lhe infligiram. Ninguém se oferece? É compreensível... explico eu.
Vamos admitir, cara Gwendoline, que, por uma pontual preversão sádica do Criador (não são tão incomuns como isso, as sádicas preversões do Criador que vão pontilhando de algum picante o tédio infinito da Existência Eterna), que sim, que existem, e logo sete. Pois lhe garanto, e este senhor não me deixa mentir, que com isso não tem relação alguma o misterioso algarismo à direita do número do seu bilhete de identidade.
Não interessa, Gwendoline, se todos os seus amigos lá da terra lhe confirmam a fabulação, incluíndo o irrepreensível tio Joaquim da Silva, que até é Presidente da Junta (e que por acaso só tem duas pessoas com o mesmo nome em todo o país). O cargo na administração pública não o qualifica, da mesma maneira que a longa experiência e incontestável estatura do Tarzan Taborda no mundo do Wrestling não o qualificavam para afirmar, naquelas saudosas emissões de Domingo por ele comentadas, que ao "bater muitas vezes com a cabeça, as células vermelhas do sangue transformam-se em água, o que se chama a leucemia, que é uma doença que mata muita gente na luta livre americana"*.
Aproveito para revelar aqui em primeira mão que:
- cortar o cabelo ou tomar um duche depois do almoço não induz paragens de digestão assassinas;
- o banho diário não provoca doenças de pele;
- o vinho misturado no estômago com melancia não a transforma em cortiça;
- o Benfica não tem seis milhões de adeptos**;
- não existem no mundo sete mulheres para cada homem, lamento... não... nem sequer no Brasil;
- os crucifixos não acagaçam os vampiros (por outro lado, alho cru em quantidade suficiente afugenta qualquer um, bom cristão ou possessão demoníaca).

Vem um gajo morar para a ruela onde o Diderot, o d'Alembert, o Rousseau e o Voltaire tomavam a bica juntos antes de irem às meninas, para depois ter de levar em cima com crendice medieval!


*Gostaria de conhecer um dia a história por trás do génio comercial que inventou este mito e o espalhou entre os lutadores para lhes poder vender esteróides à vontade. Da memória destes grandes homens não cuida a História.

**Não consigo pensar num nome menos apropriado para a catedral benfiquista que "Estádio da Luz".



This page is powered by Blogger. Isn't yours?