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segunda-feira, janeiro 26, 2004

A Matrícula Iogurte 

Este fim de semana passei-o a mudar móveis, excelente programa para os dois únicos dia de sol do Inverno parisiense, que ainda por cima coincidiam com os festejos do ano novo chinês, os maiores de sempre graças ao ano da China em França. Por isso é que a Torre Eiffel está toda vermelha, transformando a cidade numa gigantesca casa de putas. Nunca esteve tão imponente, atentai:

ao vivo dá mais pica


Foi um dia bem passado: montámos, desmontámos, descemos 4 andares com um sofá às costas, estivemos 3 horas no trânsito para chegar à aldeia típica para reformados ricos onde está desterrada a minha senhoria , perdemo-nos, comemos mal e tão caro como em Paris, descobrimos por acaso uma reserva africana e uma jóia da arte gótica (que pudemos visitar apesar de ser de noite e estar tudo vazio, uma vez que o padre estava a fazer horas extraordinárias na sacristia, ensinando os tons salmódicos a algum menino de coro). Pelo meio fomos interpelados pela polícia, ou melhor, pela gendarmerie.

Tenho sempre medo de ser parado pela bófia quando vou a conduzir. Apesar de ser um autêntico "cool driver" — fugindo da bebida como o diabo da cruz sempre que as chaves do Ferrari me tilintam no bolso do casaco Armani — a verdade é que o meu fígado foi de tal forma massacrado ao longo dos anos que, não lhe restando forças para a luta titânica de metabolizar álcool aos baldes, decidiu mudar de ramo: passou da reciclagem à produção, de ETAR a alambique. O sofrido órgão garante assim um nível residual constante de etanol na circulação sanguínea: mais obnubilação constante dos sentidos, mais alegria no dia de trabalho, mais adrenalina no contacto com os agentes da autoridade, cujos hediondos bafómetros são cegos à minha situação clínica, tomando-a por imprudência criminosa.

Quando o gendarme se aproximou da minha janela, os dispositivos automáticos do meu cérebro só me ordenavam: "faz-te sóbrio, faz-te sóbrio". Ignorados os factos de serem quatro e meia da tarde e não ter tocado em álcool o dia todo, ter uma pessoa enfiada no porta-bagagens (viva, valha-nos isso), ter o carro apinhado reduzindo a visibilidade à de um batiscafo e estar estacionado em cima do passeio na praça de St-Germain-des-Près:

Senhor Bófia — [em francês] Bonjour monsieur, a sua placa de matrícula tem um problema.
Eu — [de mim para mim, em português] Aha! estás a ver se me apanhas! estes gajos já descobriram que toda a gente consegue fazer o 4 com os copos e estão a adoptar novas tácticas, jogo psicológico! [em francês] Desculpa, não entende, carro portuguesa. É isso problema [em português, entre dentes, para o lado] Maria Rita, saca do mapa e finge que estamos perdidos, resulta sempre.
Senhor Bófia — [não foi isto que ele disse, mas pensou, em francês, sobre o fundo sonoro da Marselhesa] Sei muito bem que é portuguesa! Tem um P e umas estrelinhas e a Polónia ainda não entrou para a UE. Por quem me toma, por algum ígnaro barrigudo de bigode devorador de minis da GNR? Sou um gendarme, bófia baguete! [isto agora a seguir ele disse mesmo, em francês, sem banda sonora] Venha ver à retaguarda, se faz favor.
[dirigimo-nos à retaguarda, ele em francês, eu em português] Está a ver isto! [aponta para um 02/01 em fundo amarelo do lado direito da matrícula, não existente nas placas francesas]
Eu — Janeiro de 2002...
Senhor Bófia — [satisfeito com a sua própria argúcia] Exacto!!
Eu — E então?
Senhor Bófia — E então!!????
Eu — ?...
Senhor Bófia — [exasperado] Oh meu amigo, não vê que a sua matrícula já passou o prazo há dois anos! Olhe que isto em França não é a bandalheira que é na sua terra!


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