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sábado, fevereiro 28, 2004

Workaholic 

Olá, o meu nome é Rod da Baguete e sou um workaholic. Os primeiros sinais começaram a tornar-se visíveis com uma redução acentuada da percentagem de tempo dedicado às actividades realmente importantes do escritório moderno: blogues, messenger, concursos de lançamento ao cesto de papéis, ataques verbais ao chefe e ao Governo (que nunca se traduzem em acções práticas) ao pé da máquina do café, manufactura de bonequinhos com clipes e "post-it"s. O almoço de hora e meia regado a tinto de Bordéus viu-se reduzido a vinte minutos de sandocha. Amigos escreveram-me preocupados com a falta de postas na baguete, mas embateram num muro de silêncio porque não respondo a mails pessoais há um mês.

Ontem à noite acordei finalmente para a realidade. Depois de catorze horas de trabalho, olhei em volta e percebi que era a única pessoa no escritório. Sendo onze da noite, resolvi vir embora antes que acabasse o stock de cachaça da Favela Chic (não que alguma vez tenha acontecido, mas ainda assim não deixo de ter pesadelos com isso). Ao chegar à saída do prédio, estranhei a falta de luz no gabinete do segurança. Mais estranhei quando a porta de saída não abria. Se alguma vez trabalhardes no país das 35 horas, meus amigos, lembrai-vos que a partir das dez, ou saístes ou estais condenado a dormir no escritório. O que vale é que eu gosto à brava destas coisas: lá descobri uma saída de emergência nas traseiras; como medida de segurança, estava bloqueada por três caixas de cartão e atada com um cordel, o que decerto afastará os mais astutos gatunos (por momentos senti-me de volta a Portugal). Demorei uns três minutos a romper o cordel com a chave de casa e recuperei a liberdade. Vou agora fazer uma chamada anónima para lá a avisar que têm a entrada do prédio escancarada.


Este problema enquadra-se numa crise de identidade mais vasta. Não é como um cão que eu trabalho (nunca percebi essa expressão), é como um emigrante. Deixei de ser um estagiário ao serviço dos Estado português, uma testa de ponte da Nação infiltrada no terreno inimigo; desde que fui contratado sou um Verdadeiro Emigrante. É certo que ainda não atingi o apuramento estético da classe: não me sinto ainda realmente à vontade com as correntes de ouro e a medalhinha de Fátima que rebrilham por entre a pilosidade exposta do peito raçudo de tuga. Sinto todavia que estou no bom caminho, dou por mim frequentemente a considerar a aquisição de um fato-treino para os paseios de domingo. Nestas condições como é que posso guardar a distância necessária para espalhar com à-vontade as minhas invectivas parciais e corrosivas sobre as especificidades culturais dos emigras e dos baguetes? Debruçando-me cuidadosamente sobre o assunto, ao ponto de quase perder o equilíbrio, concluí que terei de recorrer a doses cavalares de hipocrisia e duplicidade, dons de que a Natureza me dotou, heurosamente, com prodigalidade.

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