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quinta-feira, junho 24, 2004

Stick of Bread 

Para os menos atentos, o nome deste blog, "Baguete", tem viva raiz etimológica no francês "baguette", mais precisamente na sua acepção de "pão de trigo a mandar para o comprido, tipo 'cacete' mas não é bem a mesma coisa, porque é francês". Há quem o considere mesmo um galicismo gratuito, quem ache que o "cacete" português dá bem conta do recado. Evito esse debate — o que questiona se o cacete português dá ou não conta do recado — não tanto por ser irrelevante para a argumentação que se segue (a irrelevância é uma qualidade que prezo particularmente), mas antes pela inexistência de levantamentos estatísticos sérios, lacuna grave na literatura da especialidade.

Antes que me volte a distrair do objectivo da posta, urge enunciá-lo: venho orgulhosamente assinalar, na minha qualidade de emissário infiltrado numa cultura estrangeira, o sucesso retumbante dos esforços desempenhados pelos organismos públicos portugueses com vista a melhorar a visibilidade e imagem do País e propagar a Cultura Lusa pelos quatro cantos do Mundo! Tarefa por demais complicada, sendo o Mundo redondo. (Mas o Português não gosta de tarefas fáceis. Tem-lhes tanto desprezo que protela qualquer tipo de intervenção até que elas se tornem difíceis e, por isso, dignas.)

A coisa do Euro, por exemplo, não tem passado despercebida. É certo que alguma confusão perdura nas cabeças menos cultivadas, como é o caso de um comentador de televisão que referia que uma das grandes vantagens da equipa espanhola no jogo com a Grécia seria o facto de jogar em casa. Mas jornalistas desportivos são bestas em qualquer parte do mundo: se os nossos podem dizer o nome dos jogadores alemães com pronúncia inglesa, os deles têm todo o direito de dizer "Nuño Gomez". Têm o direito e exercem-no com brio. Aprecio especialmente o esforço hercúleo que fazem para pronunciar os jotas à espanhola, quando os jotas portugueses lhes induziriam menos cãibras na língua.

Felizmente, estamos a atacar também noutras frentes. Manobra sensata, a diversificação. Uma delas é a divulgação da Língua ou, pelo menos, de uma das Línguas. Se para a Língua Portuguesa optámos por uma estratégia clássica de ataque directo e aberto, através do Instituto Camões (que não está a resultar), para a nossa segunda língua oficial recorremos às melhores técnicas de espionagem e infiltração. Sem que se possa descortinar qualquer actividade aparente, os efeitos são visíveis. Em particular sou orgulhosa testemunha de um golpe infligido bem no coração do inimigo! Talvez não a estocada mortal de uma lança, mas apenas uma agulhada que indicia o começo de coisas maiores. Estou a ficar tão nervoso a contar isto que até vou mudar de parágrafo.

Domingo à tarde fui curar a ressaca para uma brasserie. Até aqui nada de invulgar. Aliás, de semana para semana, o único componente variável nesta frase é "uma brasserie". Esta brasserie situava-se praça da Sorbonne, a bonitinha com a fonte. A Sorbonne, que como alguns saberão (mas certamente não os iletrados que vêm ler este blog) é uma Universidade, é a menina dos olhos da cultura francesa e o grão de areia a partir da qual cresceu em sucessivas camadas de nácar a pérola que é a Rive Gauche (que bonita metáfora, estou pronto para começar a escrever letras para os Toranja). Depois de trocar algumas palavras com o empregado de mesa, a minha fluência na língua francesa e pronúncia irrepreensível fizeram-se certamente notar. O senhor trouxe-nos portanto o menu em inglês. Em inglês, pensava eu... Foi nesta altura, e treme-me a voz ao falar nisto, que reconheci com um assomo de nostalgia uma das nossas línguas pátrias, talvez não a historicamente mais importante, talvez não a que tem uma literatura mais rica, mas não obstante, uma das Nossas. O menu daquela brasserie aninhada sob a sombra pesada da Sorbonne — que digo eu, "brasserie", era o "L'Escholier", um dos cafés-philo de Marc Sautet, o tasco onde se reunem os contestatários do Goncourt para ler Céline!... — este menu, dizia eu, estava escrito no mais puro e refinado Inglês do Algarve.

Não vendiam sanduíches em baguette, nem baguete, nem cacete, vendiam...

Sandwiches with Stick Of Bread

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