<$BlogRSDUrl$>

terça-feira, janeiro 07, 2014

Taberneiro do Cartaxo prevê queda do Império Britânico 

Que memorias aqui não ficaram da guerra peninsular! Que espantosas borracheiras aqui não tomaram os mais famosos generaes, os mais distinctos militares da nossa antiga e fiel alliada, que ainda então, ao menos, nos bebia o vinho!
Hoje nem isso!.. hoje bebe a jacobina zurrapa de Bordeos, e as acerbas limonadas de Borgonha. Quem tal diria da conservativa Albion! Como póde uma leal goella britannica, rascada pelos acidos anarchicos d'aquellas vinagretas francezas, intoar devidamente o God-save-the-King em um toast nacional! Como, sem Porto ou Madeira, sem Lisboa, sem Cartaxo, ousa um subdito britannico erguer a voz, n'aquella harmoniosa desafinação insular que lhe é propria e que faz parte de seu respeitavel character nacional—faz; não se riam: o inglez não canta senão quando bebe… alias quando está BEBIDO. Nisi potus ad arma ruisse. Inverta: Nisi potus in cantum prorumpisse… E pois, como hade elle assim bebido erguer a voz n'aquelle sublime e tremendo hymno popular Rulle-Britannia!
Bebei, bebei bem zurrapa franceza, meus amigos inglezes; bebei, bebei a pêso de oiro, essas limonadas dos burgraves e margraves de Allemanha; chamae-lhe, para vos illudir, chamae-lhe hoc, chamae-lhe hic, chamae-lhe o hic haec hoc todo, se vos dá gôsto… que em poucos annos veremos o estado de acetato a que hade ficar reduzido o vosso character nacional.
Oh gente cega a quem Deus quer perder! pois não vêdes que não sois nada sem nós, que sem o nosso alchool, d'onde vos vinha espirito, sciencia, valor, ides cahir infallivelmente na antiga e priguiçosa rudeza saxonia!
D'essas traidoras praias da França donde vos vai hoje o veneno corrosivo da vossa indole e da vossa fôrça, não tardará que tambem vos chegue outro Guilherme bastardo que vos conquiste e vos castigue, que vos faça arrepender, mas tarde, do criminoso êrro que hoje commetteis, ó insulares sem fe, em abandonar a nossa alliança. A nossa alliança sim, a nossa poderosa alliança, sem a qual não sois nada.
O que é um inglez sem Porto ou Madeira… sem Carcavellos ou Cartaxo?
Que se inspirasse Shakspeare com Lafitte, Milton com Chateaumargot—o chanceller Bacon que se dilluisse no melhor Borgonha… e veriamos os acidulos versinhos, os destemperados raciocininhos que faziam.
Com todas as suas dietas, Newton nunca se lembrou de beber Johannisberg; Byron antes beberia gin, antes agua do Thamisa, ou do Pamiso, do que essas escorreduras das areias de Bordeos.
Tirae-lhe o Porto aos vossos almirantes, e ninguem mais teme que torneis a ter outro Nelson. Entra nos planos do principe de Joinville fazer-vos beber da sua zurrapa: são tantos pontos de partido que lhe dais no seu jôgo.
 -- Almeida Garrett, "Viagens na minha Terra", 1846


This page is powered by Blogger. Isn't yours?